quinta-feira, março 21, 2013

Quem é Maxence Caron? (1)

Descobri Maxence Caron quando adquiri o caderno por ele organizado em torno de Heidegger (AA.VV., Heidegger, Les Cahiers de l'Histoire de la Philosophie. Paris: Le Cerf, 2006). Os Cahiers constituem hoje uma notável colecção no panorama editorial em língua francesa, contando já com treze volumes dedicados a figuras como Hegel, Kant, Husserl, Schelling, mas também Mestre Eckhart, S. Tomás de Aquino, Simone Weil, Agostinho, Philippe Muray (sabe o leitor português quem é Muray?) e, acabado de sair sob a direcção de Claude Romano, Wittgenstein. Uma rápida análise da selecção dos pensadores bastaria para nos alertar para a singularidade e a independência de perspectivas de quem está por detrás da colecção: o próprio Maxence Caron.

Quem é Caron? «Filósofo», pensava eu, certamente no sentido em que a palavra é hoje sinónimo daquela mistura quase obrigatória entre o professor de Filosofia e o historiador da Filosofia. Foi só ao deparar com um dos seus livros, La Verité Captive (Le Cerf, 2009), que pude compreender o quanto essa minha impressão inicial era injusta e insuficiente! Caron é antes um filósofo no sentido antigo: um amigo do pensamento. O título do primeiro capítulo é revelador: «Os demónios da misosofia». A misosofia é o ódio, a aversão ao conhecimento, ao pensamento. É um problema comum no nosso tempo. Talvez demasiado generalizado para poder ser discernível. Caron vê-o bem e coloca-o no centro de um livro de grande fôlego. Aliás, estou em crer que a única forma de continuarmos a ser amigos do pensamento reside na percepção activa da irradiação da misosofia. Em quase todos os lugares e instituições. E, sobretudo, no coração dos homens e mulheres.

Uma das instituições onde a misosofia tem mais progredido é, por surpreendente que tal possa parecer, a Universidade. Por esse motivo, julgo, Caron não é professor universitário. Nem investigador. Apesar de ter escrito uma das teses de doutoramento dedicadas a Heidegger mais originais que existem: Heidegger Pensée de l’être et origine de la subjectivité, préface de Jean-François Marquet, Paris: Editions du Cerf, 2005. Caron é um escritor, o que é amplamente suficiente e deveria ser recomendação suficiente para o seu leitor.

Deixo aqui o programa editorial dos Cahiers: Les « Cahiers d'Histoire de la Philosophie » ont pour but d'offrir au public lettré ou aux étudiants un état des lieux et des recherches concernant les grands auteurs de l'Histoire de la Philosophie. Le moins que l'on puisse souligner de l'étude philosophique contemporaine est l'éclatement et la dispersion à quoi donne lieu une spécialisation qui, bien que nécessaire, conduit souvent à lui faire manquer son objet ; nous avons voulu remonter ici une pente que de nombreux faits dégringolent — la pente dont le sommet est l'Essentiel. À l'encontre d'une très actuelle tendance à vouloir établir la vocation de l'exégèse en des quartiers où elle se réduit à lessiver des cendres jusqu'à épuisement afin d'en obtenir des matières solubles, nous avons souhaité de réunir les forces et les auteurs qui la font échapper à cette apparemment fatale lixiviation. Texte ancien ou inédit, chacune des contributions de nos collectifs veut éclairer avec pédagogie un point fondamental de l'histoire de la pensée afin de faire emprunter au lecteur les travées qui le conduiront dans le chœur de chaque cathédrale.

quarta-feira, março 06, 2013

Blandine Verlet, 40 anos depois

Encontrei há duas semanas, num simpático amador e mercador de vinilo, um LP com excertos do Primeiro Livro das Toccate di Cimbalo de Frescobaldi (Telefunken, Das Alte Werk, 1973). Seria, por si só, emoção suficiente, não fosse a intérprete ser a discreta Blandine Verlet. Quase tudo o que ouvi interpretado por esta cravista me tocou. Algo a distingue dos grandes cravistas modernos, incluindo Gustav Leonhardt. Não que a oficina seja melhor, porque não é. Mas Blandine toca dirigindo-se a nós, que estamos irremediavelmente separados destes mundos. Recordo, em particular, o seu Louis Couperin, gravado para a Astrée do malogrado Michel Bernstein.

Recentemente, é publicado, na Aparté, um duplo CD com diversos excertos da obra para cravo de François Couperin, regresso de Blandine ao disco. É miraculoso que ainda existam (pequenos) editores de música. E que vão procurar Blandine Verlet, mais singular é. Este amor pela edição discográfica partilha o artesanato essencial da edição do livro.